Esqueceram de mim? A pequena habênula

Se você já teve aula de neuroanatomia, provavelmente sabe o que é o diencéfalo, mas vagamente se lembra do epitálamo, o “forever forgottten” perto dos famigerados tálamo e hipotálamo.
Você também já deve ter visto (ou não) as habênulas. Pois bem, é uma estruturazinhazinha no epitálamo que o cidadão tem que ter muita fé ou um bom par de óculos para visualizar. Está dentre as estruturas neuroanatômicas mais negligenciadas em aulas práticas, permanecendo durante anos no ostracismo. Mas isto está mudando. Desde que foi considerada formalmente participante do sistema límbico, a habênula vem ganhando cada vez mais foco no mundo da neurociência.

Mas pra que raios serve isso?

Ok, pode procurar no google ou aqui está mais fácil.

Ou chega preguiça e continue lendo.

A habênula é uma estrutura do cérebro filogeneticamente muito antiga, presente em praticamente todas as espécies de vertebrados. Na maioria destes – peixes, anfíbios e répteis – a habênula apresenta assimetrias que variam entre ambos os hemisférios cerebrais, diferentemente da maioria das estruturas. Essa assimetria é freqüentemente associada também a assimetrias na organização neural e no comportamento – por exemplo, no reconhecimento social, na resposta anti-predadotória e locomoção. Nas aves e mamíferos, a habênula é uma pequena área localizada na extremidade posterior-dorso-medial do tálamo e é dividido em habênula medial e lateral.

A habênula pode atuar como uma espécie de “nó” de ligação entre o prosencéfalo e o mesencéfalo que estão envolvidos na regulação do comportamento emocional. Sua função é evidenciada a partir de estudos envolvendo lesões dessa estrutura, tendo como consequência alterações comportamentais em relação à dor, estresse, ansiedade, recompensa, sono, e disfunções cognitivas e motoras. Embora muitos estudos têm sido realizados desde a década de 1950, a função precisa da habênula permaneceu obscura.

No entanto, recentemente a habênula tem atraído muita atenção. Uma das principais razões para isso é provavelmente o papel que ela desempenha na regulação dos sistemas dopaminérgicos e serotonérgicos. Estudos experimentais e clínicos têm demonstrado que esses neuromoduladores são essenciais para o desempenho normal de atividade motoras e cognitivas – como exemplificado pelos transtornos que estão associados a níveis reduzidos de dopamina (por exemplo, a doença de Parkinson) e serotonina (por exemplo, a depressão) – e a habênula é uma das poucas regiões que influenciam tanto os sistemas de dopamina e serotonina. Outra razão para o aumento do interesse em se estudar essa estrutura são os recentes avanços nos estudos de imagem do cérebro humano. Até recentemente, a resolução da habênula na ressonância magnética e tomografia por emissão de pósitrons (PET) estudos foi muito baixa, mas agora já é possível visualizá-la em tais exames. A habênula apresenta-se hiperativa em pacientes com depressão severa, bem como em pessoas em situação na qual recebe um feedback negativo sobre uma falha em uma tarefa de desempenho, evidenciando seu papel na modulação de comportamentos.

Sono: a atividade da habênula parece ser crucial para o sono REM, uma vez que a remoção experimental desta em ratos reduziu o tempo de permanência em REM e a atonia associada a este estágio do sono. A sinalização de neurônios na habênula apresenta ritmicidade circadiana, e, assim, como a glândula pineal, sintetiza a melatonina e portanto participa na geração e manutenção de comportamentos associados ao ciclo sono-vigília, como o mecanismo hibernatório por exemplo. Além disso, assim como o núcleo supraquiasmático, a habênula também recebe informação fotótica de células ganglionares na retina, o que também evidencia seu papel na regulação do ciclo sono-vigília.

Tomada de decisões baseada em recompensa: estudos sugerem que a habênula também suprime certos comportamentos motores em animais, inibindo a hiperatividade, distração e respostas motoras prematuras em tarefas de tempo de reação, as quais envolvem atenção dirigida. Esses efeitos são mediados pela conexão indireta da habênula lateral com neurônios dopaminérgicos na substância negra compacta e na área tegmentar ventral.

Aprendizagem por reforço e recompensa: A participação da habênula neste mecanismo também é evidente em estudos eletrofisiológicos, os quais mostraram aumento da atividade neural nesta região quando macacos recebem uma recompensa após uma determinada resposta motora, ou seguida de outro reforçador.

Comportamento de fuga e dor: neurônios da habênula lateral são excitados ou às vezes inibidos por estímulos dolorosos ou aversivos. A injeção intra-habenular de morfina induz a analgesia, evidenciando a participação no processamento central da dor. Lesões experimentais na habênula também prejudicam o aprendizado de esquiva e do condicionamento clássico aversivo.

Resposta comportamental ao estresse: a exposição prolongada a um ambiente onde um estímulo aversivo não é preditivo, pode levar a ansiedade bem como a depressão. Nestas condições, também foi verificado por meio de paradigmas comportamentais específicos a participação da habênula, com conexões dopaminérgicas com demais estruturas límbicas (área septal, área tegmentar ventral, e córtex frontal médio).

A habênula também está envolvida no comportamento maternal, bem como na detecção eletromagnética observada em determinadas espécies, importante para a navegação e a captura predatória. Em humanos, sua disfunção está associada à depressão, esquizofrenia, e psicose induzida por drogas.

@larissaomfaria

Referências bibliográficas:

Hikosaka O. The habenula: from stress evasion to value-based decision-making. Nat Rev Neurosci. 2010 Jul;11(7):503-13.

Ikemoto S. Brain reward circuitry beyond the mesolimbic dopamine system: a neurobiological theory. Neurosci Biobehav Rev. 2010 Nov;35(2):129-50.

Maia TV. Reinforcement learning, conditioning, and the brain: Successes and challenges. Cogn Affect Behav Neurosci. 2009 Dec;9(4):343-64.

Geisler S, Trimble M. The lateral habenula: no longer neglected. CNS Spectr. 2008 Jun;13(6):484-9.

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